— Nem eu. — Ele se sentou na beirada da mesa e me observou analisar os outros mapas, descartando alguns e separando outros numa pilha. Respondia a qualquer pergunta que eu fizesse, mas na maior parte do tempo, manteve os olhos fechados, parecendo perdido em pensamentos.
Bocejei ao terminar de verificar os mapas e enrolei-os novamente.
— Vamos tirar um cochilo, Sam.
— Aqui? — Olhou para o chão. — Aqui me parece ótimo.
Ajudei-o a descer da mesa e seguimos de volta para o térreo, apagando as luzes que havíamos acendido pelo caminho. Ao alcançarmos a escada, meu DCS vibrou com uma mensagem da Stef.
Desçam já. Tenho uma notícia importante.
4
ENCONTRO
COM UMA FORTE dor de cabeça devido à falta de sono e ao excesso de perigo mortal, arrastei-me escada abaixo e descobri que Stef havia chegado com vários dos nossos outros amigos.
— Lá se vai nosso cochilo — murmurou Sam.
— Rin veio também. — Apontei com a cabeça para o grupo. — Ela pode dar uma olhada na sua mão. — Rin era uma menina com cerca de dez ou onze anos, mas era uma das melhores médicas em Heart. Por alguma razão, gostava de mim. Ela havia me acobertado diversas vezes, mesmo antes de a gente se conhecer.
— Uau. — Stef olhou para nós dois, que terminávamos de descer a escada. — Vocês estão com uma aparência horrível.
— Ana! — Sarit se levantou num pulo e jogou os braços em volta de mim. — Você está inteira.
Abracei-a de volta, aliviada por ela estar ali. Todos sabiam que Sarit era minha melhor amiga; se a deixássemos para trás, Deborl descontaria sua frustração nela. Stef sabia cuidar de si mesma, mas Sarit era uma garota gentil. Jamais machucaria ninguém, nem mesmo para se proteger.
— Estamos seguros aqui? — perguntou alguém.
Stef anuiu.
— Acionei o sistema de segurança das entradas da biblioteca. Depois que sairmos daqui, ninguém vai a lugar nenhum sozinho. Andaremos em grupos de no mínimo cinco.
Todos assentiram.
— Qual é a notícia, Stef? — Sam correu os olhos em volta e descobriu uma poltrona vazia. Todos pareciam exaustos, com seus casacos por cima das roupas de dormir e bolsas arrumadas às pressas ao lado da porta. As armas tinham sido deixadas sobre uma das mesas, e todos estavam debruçados sobre seus respectivos DCSs, mandando mensagens ou verificando funções referentes a mapas.
Todo mundo ali era a favor das almasnovas. Alguns tinham me dado aulas sobre vários assuntos, enquanto outros eram simplesmente bons amigos do Sam. Reconheci mais algumas pessoas da lista que Sarit e eu havíamos feito: mulheres grávidas. Elas talvez estivessem carregando almas antigas, mas… poderiam também estar carregando almasnovas.
— Não é nada boa. — Apesar da situação caótica, Stef estava muito bem arrumada. Não parecia com alguém que tinha passado os últimos momentos ajudando pessoas a saírem de casa e provavelmente matando outras.
Olhei de relance para Sam aconchegado na poltrona, mas não havia espaço para dois, a não ser que eu sentasse no colo dele, e ninguém mais estava sentado no colo de ninguém. Até mesmo as outras almasnovas estavam dormindo em algum lugar afastado. Irritada, arrumei minha própria poltrona, longe do Sam.
— Todo mundo sabe que o Sam e a Ana foram atacados hoje à noite. Eles me pediram para chamar a maioria de vocês, preocupados com a possibilidade de haver mais ataques, mas a verdade é que o problema é bem maior. Enviei um programa para os DCSs de vocês. Whit e Orrin já tinham, é claro; quanto ao resto, olhem com atenção. — Ela ergueu o próprio aparelho. — O programa está conectado às estações de monitoramento de Range. Elas fazem a leitura de todas as atividades sísmicas e as traduzem em informações úteis.
Enquanto Stef explicava, encontrei a nova função no aparelho e a abri. Uma série de pequenos pontos vermelhos surgiu sobre o mapa de Range. Outro bem maior estava localizado no centro de Heart.
— Os pontos representam terremotos recentes — prosseguiu ela. — Quanto maior o ponto, maior o terremoto. Se vocês baterem no menu, podem trocar para tipos diferentes de eventos. Entre as opções, há uma que mostra onde ocorreram as erupções hidrotermais. Não teremos mais detalhes até que alguém vá lá verificar pessoalmente. Sinto dizer que parte dos equipamentos foi danificada ou destruída, mas isso deve dar uma ideia geral do que está acontecendo.
— E o que está acontecendo? — Rin se enrolou num dos cobertores e soltou um bocejo. — Desculpe. Só estou cansada, não entediada. Stef me acordou, ainda que não houvesse ninguém tentando me matar. — Lançou um olhar irritado para Stef, sugerindo que seria melhor ela não se deitar perto da médica ou correria o risco de acordar morta.
Isso era realmente curioso. Por que todas aquelas pessoas estavam ali? Eu estava esperando os pais das almasnovas e alguns dos nossos amigos mais próximos. Talvez dez ou doze pessoas. Não quarenta.
Whit se manifestou.
— A caldeira está instável. O solo vem sofrendo consideráveis deslocamentos nos últimos meses e o lago Midrange está secando, provavelmente devido a uma rachadura no fundo. Os gêiseres têm liberado a pressão com mais frequência e o número de terremotos, mesmo aqueles tão fracos que não conseguimos sentir, mais do que triplicou. — Ele correu os olhos pelo grupo, parando em mim por alguns instantes. — A caldeira vai entrar em erupção. Não sei quando, mas sei que será logo.
— Isso irá acontecer na Noite das Almas — intervim.
Todos se viraram para mim.
Os segundos pareceram virar minutos, até que, por fim, Sarit falou:
— Bem, você vai nos dizer como sabe isso?
— Meuric me contou, na noite do Escurecimento do Templo. Ele disse que algo iria acontecer na Noite das Almas, e que, depois dela, nada mais importaria. Acho que estava falando da erupção. E… — Olhei de relance para Sam e Stef, que menearam a cabeça em encorajamento. — Da ascensão de Janan.
Alguém ofegou.
— Janan não é real — retrucou Aril. Eu me lembrava dela vagamente das aulas de matemática; por mais que ela sempre tivesse se mostrado amigável, não imaginava que se importasse tanto assim comigo.