— O que você quer dizer com isso? — Orrin se inclinou ligeiramente para a frente, os olhos sombrios.
— Quero dizer que não sou a única que precisa sair de Heart. Todos nós temos que ir embora.
Após vestir as roupas que Geral e Orrin tinham trazido, Sam e eu fomos até o andar onde ficavam guardados os mapas.
— Achei que você tivesse um destino em mente. — O ar empoeirado da biblioteca abafou as palavras dele. — Que fôssemos voltar para o laboratório de Menehem. Por causa das sílfides.
— É, mas, e depois? Não podemos ficar lá. — Talvez pudéssemos, mas tinha que haver opção melhor. — Não sei. Acho que as sílfides talvez tenham algumas respostas. Tenho certeza de que as encontraremos lá. Elas estavam lá da outra vez.
Sam anuiu.
— Preciso ter uma ideia melhor do mundo fora dos limites de Range. Ele é tão grande! Tenho que bolar um plano. — Despenquei numa cadeira ao entrarmos na seção dos mapas. — Sam, não faço ideia do que estou fazendo. Não sei como impedir Janan.
Ele me fitou com um olhar ao mesmo tempo triste e ardente, mas não falou nada sobre a confissão.
— Que mapas você quer?
Corri os olhos pelas estantes repletas de pergaminhos enrolados e livros grandes. Devia haver uma centena de mapas ali. Talvez mais.
— Não sei.
— Vamos começar com Range. — Sam perambulou pela pequena e fechada seção até encontrar um mapa enrolado. Juntos, abrimos o papel grosso sobre a mesa, alisando as quinas com as mãos. Eu não sabia como lê-lo, nem como mensurar as distâncias e elevações, mas identifiquei alguns locais familiares.
O lago Rangedge ficava no sul, perto do Chalé da Rosa Lilás, onde eu havia crescido. Já o lago Midrange era uma grande extensão de água próximo a Heart. Uma série de pequenos X marcava os gêiseres e fumarolas, enquanto os O marcavam as poças de lama e fontes de águas termais.
As montanhas se espalhavam por todos os lados, seguindo rumo ao nordeste numa fileira de picos escarpados. As florestas cobriam toda a região de Range e as áreas fora dos limites habitados pelo homem.
Arrastei o dedo em direção ao leste, até encontrar os picos gêmeos que conseguíamos ver do laboratório de Menehem.
— O laboratório deve estar em algum lugar por aqui, certo?
Sam assentiu e apontou para um lugar escolhido de forma aparentemente aleatória.
— Ali. — Arrastou um pouco o dedo. — Veja, aqui está a estrada.
Agora que ele havia mostrado, consegui reconhecê-la. Ela parecia perdida entre uma série de linhas e borrões de tinta. Enquanto eu me debruçava sobre o mapa para estudar o terreno ao redor do laboratório, Sam foi pegar outros e os colocou sobre a mesa.
Ao norte de Range, a floresta parecia mais densa e os detalhes eram mais escassos, como se poucas pessoas tivessem se dado ao trabalho de explorar e mapear a região. Uma simples mensagem rabiscada alertava sobre o perigo de dragões nas terras gélidas do norte, mas eu não fazia ideia da distância que seria preciso percorrer até encontrá-los. Será que uma semana de caminhada seria o bastante? Provavelmente mais.
— Sam.
Ele parou ao meu lado e passou o braço em volta da minha cintura.
— Lembra quando você me falou sobre como havia morrido em sua última vida? Você foi para o norte, deparou-se com um grande muro branco e, em seguida, com os dragões, certo?
Ele hesitou.
— Foi.
— Pode me mostrar onde fica esse lugar?
— Eu… — A mão enfaixada flutuou acima do mapa, mas sem parar em lugar nenhum. — Não tenho certeza. Você não quer ir até lá, quer?
— Claro que não. — A última coisa que eu queria era botar Sam no caminho dos dragões. Eles o haviam matado trinta vezes. Por algum golpe de sorte, eu conseguira salvá-lo duas vezes durante sua vida atual. Não queria colocá-lo em risco uma terceira vez. — Só estou tentando ter uma visão melhor do restante do mundo, já que não poderei voltar aqui.
Ele soltou um pequeno suspiro, aparentemente aliviado.
— Não tive a intenção de duvidar de você. Aprendemos um monte de coisas sobre as sílfides nos últimos meses, o suficiente para saber que elas não são tão perversas quanto achávamos, mas os dragões ainda me apavoram.
Trinta vezes. Não conseguia imaginar morrer trinta vezes nas garras dos dragões.
— Eu jamais arriscaria a sua vida.
Ele abriu um sorriso fraco e cansado, e nós dois voltamos a atenção para a mesa.
— Stef pode inseri-los no DCS para você. Não é tão bom quanto observar a área toda no papel, mas é melhor que nada.
— Ah, ótimo. — Encontrei alertas sobre trolls no leste, centauros no sul e pássaros-roca no oeste. E essas eram somente as criaturas que os cidadãos de Heart poderiam encontrar nas cercanias de Range. Havia outras nas áreas mais afastadas, mas o mapa não chegava a tanto. — Acho que preciso de um mapa maior.
Sam pegou um globo, o mundo inteiro representado num pedaço de pedra polida. Os continentes eram delineados com tinta dourada e prateada, e preenchidos em tons de verde, marrom, bege e branco, dependendo do tipo de vegetação ou da ausência da mesma. Os oceanos e os grandes lagos eram exibidos em belos e brilhantes tons de azul.
Corri a mão pelo globo, sentindo a suavidade da pedra e do metal sob a palma.
— Eu não fazia ideia de que o mundo era tão maior do que Range. Onde estamos?
— Aqui. — Ele apontou para o meio de um continente mais ao norte. — Range é menor do que a ponta do meu dedo.
— Ah. — Girei o globo. Ele parecia ligeiramente inclinado… um dos meus professores tinha me dito que o planeta era ligeiramente inclinado no eixo, mas que eixo era esse, eu não fazia ideia… e olhei para os continentes que subitamente me pareceram tão distantes que não fazia sentido sequer pensar neles. — Range parece tão grande!
— E é grande. — Sam afastou uma mecha de cabelos do meu rosto. — O restante do planeta é ainda maior.
— Isso faz com que eu me sinta pequena. Não gosto da sensação.