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Sadie(6)
Author: Courtney Summers

Deixo o vapor envolver meu rosto antes de tomar o primeiro gole. O café queima minha língua e minha garganta e me desperta mais rápido do que a cafeína em si, mas o gosto é tão forte que sei que posso contar com isso também. Coloco a caneca na bancada e reparo em uma mulher na janela de atendimento. Ela está usando uma camiseta preta do Ray’s, assim como Saul, e me lembra uma May Beth um pouco mais jovem, só que o cabelo dela está pintado de preto. O da May Beth é todo branco com alguns fios pretos. Mas as duas têm rostos carnudos e feições acentuadas, e tudo abaixo do pescoço delas é mais arredondado e bem menos definido. Macio. May Beth me envolvia nos braços e me abraçava quando não havia mais ninguém para fazer isso, até eu ficar velha demais para esse tipo de coisa, e eu amava a maciez dela. Deixo a lembrança inspirar um sorriso cuidadoso em mim. Ofereço o sorriso para a mulher. Ela me presenteia com o dela.

– Você está me olhando como se me conhecesse – diz ela.

Tem outra coisa que a separa da May Beth além do cabelo: a voz. A voz da May Beth é como cubos de açúcar se desfazendo. A da mulher é torta de maçã. Ou talvez não seja sua fala, mas o cheiro que estou sentindo. Tem um suporte de tortas a alguns metros de mim no balcão, com a famosa torta de maçã da lanchonete e seus pedaços macios e açucarados de fruta em uma linda massa crocante. Minha boca saliva, e sei que já senti mais fome na vida, mas o beijo de caramelo e canela deixa difícil lembrar de quando foi isso. Meu estômago ronca. A mulher arqueia a sobrancelha, e reparo que o crachá acima do seio direito dela diz ruby. Vai ser uma merda forçar esse nome pelos meus lábios.

– Esquece, Roo – diz Saul atrás do balcão de condimentos. – Ela não consegue falar.

Ruby se vira para mim.

– É mesmo?

– ...

Eu fecho os olhos. Um bloqueio: um momento que parece eterno em que minha boca está aberta e nada acontece, pelo menos não do lado de fora. Lá dentro, a palavra está presente, e a luta para dar forma a ela me deixa paralisada, me sentindo desconectada.

– V-você p… – Luto com o P, luto para voltar a mim. Abro os olhos. Sinto a mulher ao meu lado me encarando. Ruby nem pisca, o que me deixa agradecida, mas também odeio isso, porque o tipo de decência que todo mundo deveria ter não é algo que mereça minha gratidão. – Você p-parece uma p-pessoa que eu conheço.

– Isso é bom?

– É.

Eu faço que sim, um pouco satisfeita com o resultado positivo. É.

– Achei que você não falava – diz Saul, nada impressionado.

– Quer alguma coisa pra comer com o café? – pergunta Ruby.

– Não, tudo bem.

Ela repuxa os lábios.

– Você sabe que não pode ficar segurando o mesmo café a noite toda.

Meu Deus. Eu limpo a garganta.

– Eu q-queria saber se p-posso f-fazer uma p… – Pergunta. – Uma questão.

Essa é uma coisa que consigo fazer às vezes: driblar a gagueira. Finjo que vou falar uma palavra, ela vem pra cima, para me atrapalhar, e então troco por outra no último segundo, e de alguma forma a gagueira nunca me alcança. Quando descobri isso, achei que tinha finalmente me libertado, mas não; eu era refém de um jeito diferente. É exaustivo precisar pensar tanto para ter um tipo de conversa que as pessoas têm sem nem pensar. E não é justo, mas muitas coisas na vida não são.

– Claro – diz ela.

– O R… – Eu fecho os olhos brevemente. – Ray está?

Ela faz uma careta.

– Morreu alguns anos atrás.

– S-sinto muito.

Merda.

– Por que você precisa do Ray?

– Você t-trabalha aqui há muito t-tempo?

– Quase trinta anos. – Ela me olha. – O que você quer?

– Encontrar uma p-pessoa.

Tem um jeito mais rápido de fazer isso. Antes que ela possa responder, eu aperto os lábios e levanto o dedo. Ela aguarda o minuto que estou pedindo silenciosamente, enquanto abro a mochila e pego uma foto. Tem oito anos, mas é a única foto que mostra o rosto da pessoa que estou procurando. É uma cena de verão, todas nós fazendo pose na frente do trailer da May Beth. Sei que é verão porque os canteiros de flores dela estão todos florescendo. Foi ela quem tirou a foto, e eu peguei do álbum que ela fez para mim e para a Mattie. É a única foto de nós que inclui a minha mãe… e o Keith.

Ele tem um rosto endurecido, barba de uma semana e pés de galinha fundos que não acredito serem produto de muitos sorrisos. Ele parece capaz de sair da foto só para te odiar mais de perto. Está com uma criança no colo, e essa criança, com o cabelo louro e desgrenhado, é a Mattie. Ela tinha cinco anos. A garota de onze anos de maria-chiquinha e fora de foco no canto da foto sou eu. Eu me lembro do dia, de como estava quente e desagradável, e que não fui convencida a posar com eles até minha mãe dizer Tudo bem, vamos tirar a foto sem você, e isso também não me pareceu certo, então me infiltrei na imagem e me tornei o canto borrado. Olho por tempo demais, como sempre faço, e aponto para a caneta no bolso do avental da Ruby. Ela a entrega. Viro a foto e rabisco rapidamente atrás:

você viu esse homem?

Mas já sei a resposta, porque foi o Keith que me contou sobre o Ray’s. Ele falava sobre aquele lugar, dizia que era cliente regular, aninhava a Mattie nos braços, passava a mão pelo cabelo dela e dizia que um dia, talvez ele a levaria até o Ray’s para comer uma fatia de torta de maçã porque gatinha, você nunca comeu nada tão gostoso… Se a Ruby está aqui pelo tempo que diz que está, sei que ela o viu. Eu passo a foto para ela. Ela a segura com cuidado enquanto eu me inclino para a frente e a observo com atenção em busca de sinais de reconhecimento. Seu rosto não revela nada.

– Quem quer saber? – ela finalmente pergunta.

Meu coração só sente o pouco de esperança que eu permito.

– A f-filha d-dele.

Ela lambe os lábios, e reparo que o batom saiu e que só sobrou a linha forte do contorno. Ela me encara e suspira de um jeito que me faz pensar com que frequência isso acontece, garotas perguntando por homens que não têm nada para oferecer.

– Muitos homens vêm aqui, e eles só se destacam se tiver alguma coisa errada. Quer dizer, mais coisa errada do que o habitual. – Ela meio que dá de ombros. – Ele pode ter passado aqui, mas, se passou, não me lembro.

Consigo identificar uma mentira a um quilômetro de distância. Não é uma vantagem super-heroica para compensar a gagueira, estar sintonizada com as merdas emocionais das pessoas. É só o resultado de uma vida ouvindo mentirosos.

Ruby está mentindo.

– Ele disse que era c-cliente re-regular. Conhecia o R-Ray.

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